O amor e compromisso de ser uma protagonista negra.

Precisamos Falar Sobre:
4 min readDec 23, 2020

A internet parou quando Zoe Kravitz foi anunciada como a intérprete de Selina Kyle (Mulher-Gato) no filme The Batman que será lançado em 2022 (sim, o novo Batman que será interpretado pelo grande ator Robert Pattison).

Muitos fãs não gostaram da escolha de uma atriz negra para interpretar uma personagem originalmente branca e, como vem acontecendo com algumas atrizes como Candice Patton, a Iris na série The Flash (2014) ou com a Anna Diop, a Estelar da série Titãs (2018), Zoe não foi bem recebida por uma boa parte dos fãs. O que não se sabia e veio à tona após a confirmação é que Zoe já tinha feito teste para a dar a vida a personagem em 2012 no último filme da saga Cavaleiro das Trevas dirigido por Christopher Nolan, que acabou ficando com Anne Hathaway, pois Zoe foi considerada “urbana” demais para o papel.

Zoe Kravitz como Selina Kyle em The Batman (2022)
Zoe Kravitz como Selina Kyle em The Batman (2022).

Mas antes de Zoe, outras atrizes negras já deram a vida a personagem nas telas, sendo Halle Berry, em 2004 a mais famosa delas. Porém muito antes de Berry, na primeira adaptação da história do herói em 1966 no seriado de tv Batman, a famosa atriz e a cantora Eartha Kitt, surpreendeu a todos ao ser escalada para dar vida a personagem, com uma interpretação considerada até hoje como uma das melhores da personagem, mesmo não tendo agradado boa parte dos espectadores que não queriam ver o seu grande herói tendo um romance com uma mulher negra em horário nobre na tv.

Eartha Kitt como Selina Kyle em Batman (1966).
Eartha Kitt como Selina Kyle em Batman (1966).

Eartha Kitt foi uma atriz, dançarina e cantora, que fez muito sucesso nas décadas de 50 e 60 quebrando muitas barreiras e abrindo muitas portas em uma época muito mais racista do que a atual. Foi indicada a prêmios como Emmy, Grammy e Tony e conquistou durante sua carreira admiração de muitas figuras importantes do cinema na época como James Dean e Orson Wells.

No entanto, a carreira de Eartha não foi feita só de ganhos. No auge da luta pelos direitos civis, a atriz passou a dar declarações polêmicas sobre o assunto, sendo a mais marcante delas feita em 1974 durante um almoço na Casa Branca. A atriz foi convidada pela primeira dama da época e quando questionada sobre a juventude delinquente, ela deu a seguinte declaração:

“As crianças da América não estão se rebelando sem motivo. Eles não são hippies à toa. Nós não temos o que nós temos no Sunset Boulevard sem motivo. Eles estão se rebelando contra algo. Há muitas coisas consumindo as pessoas nesse país, principalmente as mães. Elas sentem que vão criar os seus filhos — e eu sei como é, e você também tem seus filhos, Senhora Johnson — Nós criamos crianças e as enviamos para a guerra.”.

A declaração logo repercutiu e fez com que Eartha se tornasse vítima de ataques que diziam que a mesma havia feito uma afronta à primeira dama, e a acusaram de conspirar contra do governo dos EUA. Por conta disso, ela passou a fazer parte da lista negra do país, perdendo contratos, sendo perseguida e difamada e tendo que se exilar em Londres. Voltou apenas no final dos anos 70 de maneira triunfal estreando uma peça de muito sucesso. Faleceu aos 81 anos em 2008, Eartha dizia nunca ter se arrependido das decisões que tomou durante sua vida e carreira. Durante o exilio construiu escolas para crianças na África, se apresentava em eventos beneficentes em apoio as vitimas do HIV, tornou se defensora da causa lgtb e das minorias; tudo isso contribuiu para que Eartha continue lembrada pela incrível trajetória, sendo reverenciada por diversos artistas até hoje como no penúltimo álbum da cantora e compositora britânica Mahalia, chamado Love and Compromise (Amor e Compromisso).

A cantora britânica Mahalia na capa do álbum Love and Compromise de 2019.
A cantora britânica Mahalia na capa do álbum Love and Compromise de 2019.

O título do álbum faz referência a uma entrevista retirada do documentário All by Myself: The Eartha Kitt Story, de 1982, onde o entrevistador questiona a atriz sobre ela estar pronta ou não para assumir um compromisso com alguém e ela dá a melhor resposta de todas. Além do título, a cantora faz um sample da entrevista na primeira faixa do álbum Hide Out, e fica claro a referência das reflexões de Eartha nas letras das canções ao longo do álbum, provando que a atriz merece mais do que nunca ser lembrada pelos seus feitos, pela carreira exemplar e pela maneira como via o mundo.

Trecho do documentário All by Myself: The Eartha Kitt Story que foi sampleado em Love and Compromise de Mahalia:

Eartha Kitt dá o recado… — YouTube

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“Da leitura era preciso tirar outra sabedoria. Era preciso autorizar o texto da própria vida, assim como era preciso a construir a história dos seus.”